"É a imagem na mente que nos une aos tesouros perdidos, mas é a perda que dá forma à imagem." Colette

sábado, março 17, 2007

Juízo de valores?




Há três anos, mais ou menos, atendi um paciente com um tumor que a princípio era considerado benigno. Ele sempre vinha acompanhado de sua esposa, uma mulher gordinha e bastante simpática. No momento da cirurgia, para nossa surpresa, o patologista constatou que o tumor era maligno e eu precisei sair do campo operatório para procurá-la e pedir sua autorização para prosseguir, visto que o tratamento deveria ser mais agressivo. Quando eu disse para ela que o tumor era maligno, ela caiu em prantos. E disse-me que não suportaria passar por tudo novamente. Fiquei sem entender, até que ela me explica que este era seu segundo casamento e que seu primeiro marido havia morrido de câncer. Procurei acalmá-la, afinal nem era um tumor muito agressivo e ele tinha um bom prognóstico, mas ela não se deu por vencida. Após a cirurgia, ela sempre o acompanhou ao consultório nas visitas de rotina, até que um dia ele apareceu sozinho: ela o havia deixado.
-Um belo dia ela me pediu a separação, doutora., ele me diz.
Na hora eu imaginei que ela não suportara a idéia de perdê-lo para a doença. Mas como, se nem era um tumor tão agressivo assim, ele faria radioterapia e tinha bom prognóstico? Há três meses ele retornou com recidiva da doença, completamente inoperável. Muito provavelmente sem chances de fazer outro tratamento que não paliativo. E eu me lembrei dela.

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Perder uma pessoa amada para a doença é duro. Perder uma segunda vez....não sei. Eu não suportaria também.



segunda-feira, março 12, 2007

Pelicano....

Tivemos um paciente muito alto, muito magro e com profundos olhos de um azul desbotado. Além disso, ele usava óculos de fundo de garrafa, o que fazia com que seus olhos ficassem ainda mais em evidência.
Ele esteve internado uma primeira vez, quando ainda estava forte e se alimentava bem, mas sabíamos que seu tumor crescia silenciosamente. Ele também sabia disto.
Bem, retornou para lá, já bastante emagrecido, com muitas dores por conta das inúmeras metástases e nós conseguimos controlar sua dor. Ele até chegou a ir para sua casa ver seu cão, um bichinho tão pequenino, de nome Negão. Foi se depedir...
Quando já estava debilitado, sem forças para sequer sentar-se, ficava deitado com a cabeceira da cama elevada e adormecia. Parece que sonhava...Sua esposa colocava travesseiros muito altos e eu perguntei se não seria melhor ela retirar um deles, que talvez ele ficasse mais confortável.
-Não, doutoura. O meu pelicano pode quebrar o pescoço. Espia só!
E retirou um dos travesseiros, com ele dormindo. Ele ficou com o pescoço duro e a cabeça inclinada para a frente, fazendo um movimento de vai e vem com a cabeça, para a frente e para trás. Achei engraçado! E ela me disse:
-Não parece mesmo um pelicano, doutora?
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